Olhando para trás, Alice Lewin reconhece como seu relacionamento com a irmã se rompeu lentamente, uma rachadura de cada vez.
As duas eram próximas durante a infância; sua irmã, três anos mais velha, era uma presença protetora. Mas a morte prematura da mãe, quando ambas estavam na casa dos 20 anos, revelou alguns “pontos de fratura” no relacionamento e, em retrospecto, Lewin percebeu que pode ter colocado muita pressão sobre a irmã mais velha para ser uma figura materna —em um momento em que sua irmã queria seguir em frente com sua própria vida.
As coisas entre elas pioraram quando a avó faleceu, e depois o pai, ela diz. Essas mortes trouxeram questões espinhosas relacionadas aos cuidados com os familiares e à divisão de heranças. E nos últimos 10 anos elas estão completamente afastadas, exceto por algumas breves ligações telefônicas e emails.
“Às vezes as pessoas se perguntam: ‘Uma irmã se afastou de mim ou eu me afastei dela ?'”, diz Lewin. “Às vezes não sei se isso importa. Acho que no caso da minha irmã, foi de certa forma mútuo e estava se construindo há muito tempo.”
Embora os detalhes do afastamento possam às vezes parecer confusos para ela, o luto de Lewin pela ruptura é profundo e claro. “Há muito poucas pessoas na minha vida da minha infância, dos meus anos formativos”, diz ela, pausando várias vezes para se recompor. Sua irmã é a “única pessoa” com quem ela compartilha o mesmo “núcleo, a mesma origem”, diz. “Sinto falta disso. Sinto muito arrependimento.”
O afastamento familiar —e particularmente, cortar laços com pais “emocionalmente imaturos”— tornou-se um tema polêmico em livros, artigos de opinião e especialmente em redes sociais como o TikTok, em que uma torrente de vídeos exalta as virtudes do afastamento familiar como ferramenta terapêutica. Mas os desafios do afastamento entre irmãos tendem a ser um tanto negligenciados, apesar de pesquisas mostrarem que os relacionamentos entre irmãos têm um efeito profundo no bem-estar.
“O afastamento entre irmãos pode ser realmente doloroso, e também é muito estigmatizado”, afirma Rin Reczek, professora de sociologia na Universidade Estadual de Ohio, acrescentando que pessoas em ambos os lados de um afastamento frequentemente sentem um senso de fracasso, como se a separação fosse de alguma forma uma condenação delas ou de seus valores.
‘LAMENTANDO OS VIVOS’
Não há muita pesquisa sobre quão difundido é o afastamento entre irmãos, diz Reczek, que estuda o afastamento familiar, mas os dados existentes sugerem que não é incomum. Ela apontou para um estudo alemão que descobriu que quase 30% dos irmãos experimentaram pelo menos um período de afastamento. Claro, não é preto no branco —algumas pessoas optam por “nenhum contato” com membros da família, enquanto outras optam por relacionamentos de “baixo contato”.
Reczek reconhece que existem muitas razões pelas quais os irmãos se afastam —demais para detalhar. Um irmão pode cortar o contato em resposta a uma situação que considera não ser mais segura ou saudável para ele; e pesquisas sugerem que o favoritismo dos pais, seja real ou imaginário, também pode criar uma barreira entre irmãos, assim como a manipulação ou o afastamento dos pais, acrescenta.
Ali-John Chaudhary, psicoterapeuta no Canadá, iniciou um grupo de apoio ao afastamento entre irmãos no Facebook, ao qual Lewin se juntou. Chaudary diz que os irmãos também podem se afastar devido a problemas de saúde mental ou abuso de substâncias, desafios mais amplos de comunicação dentro da família, distância geográfica e tensão que surge em torno de cuidados, decisões de saúde e herança e patrimônios familiares.
Chaudhary, que está afastado de sua própria irmã, intencionalmente mantém seu grupo de apoio aberto tanto para aqueles que “se afastam para o próprio bem” quanto para aqueles que foram “afastados inesperadamente”.
“A dor do afastamento é o que nos une”, explica ele, acrescentando que a dor associada a tais rupturas é frequentemente “minimizada”, às vezes até por terapeutas, o que torna difícil saber onde buscar apoio.
Esse tem sido o caso de Deborah, que está na casa dos 50 anos e pediu para compartilhar publicamente apenas seu primeiro nome. Ela se afastou de seu irmão após a morte do pai em 2017. Ele cortou todo o contato com ela depois que os irmãos tiveram conflitos sobre o espólio do pai, diz ela, uma ruptura abrupta que a fez sentir como se tivesse sido “descartada”.
Deborah, que vive nos arredores de Boston, achou mais desafiador, em muitos aspectos, lidar com a perda do irmão do que com a morte dos pais.
“Anúncios, redes sociais e pessoas nos dizem como uma família deveria ser e como os feriados deveriam ser, como uma pintura de Norman Rockwell”, afirma. “De repente, foi como se a fundação tivesse sido arrancada de baixo de mim.”
Ela estava “lamentando os vivos”, diz.
Esse tipo de ambiguidade pode ser difícil para ambos os lados de uma ruptura familiar.
O EFEITO CASCATA
Embora o afastamento entre irmãos possa ser o melhor caminho para alguns, é um “evento cataclísmico no sistema familiar”, diz o psicólogo Joshua Coleman. Sobrinhas, sobrinhos e primos podem perder o contato, e os pais podem ser arrastados para tomar partido, diz Coleman, que lidou com o afastamento em sua própria família.
“Pode ser uma espécie de buraco negro que acaba sugando todo mundo para dentro”, acrescenta ele, observando que compartilha essas informações com clientes não para dissuadi-los de terminar um relacionamento com um irmão que não parece amoroso ou seguro, mas para que entendam os potenciais efeitos em cascata.
Devido aos efeitos desproporcionais que o afastamento entre irmãos pode ter dentro das famílias, quando possível, Coleman encoraja os clientes que estão considerando isso a dar ao irmão “espaço suficiente para realmente conhecer a gravidade de quanto eles se sentem magoados, incompreendidos ou afetados por esse relacionamento, e dar-lhes tempo e recursos para reparar.” Ele diz para sugerirem terapia familiar, darem aos irmãos livros ou recursos para ler, ou deixarem-nos saber o que seria necessário para consertar o relacionamento.
Irmãos que foram afastados —e que esperam se reconectar— devem estar dispostos a mostrar vulnerabilidade, assumir responsabilidade e buscar entender a perspectiva do irmão, concordem ou não, acrescenta ele, reconhecendo que nada disso é simples ou fácil.
Fonte ==> Uol