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Crianças têm cada vez menos autonomia para brincar – 20/09/2025 – Equilíbrio

Crianças têm cada vez menos autonomia para brincar - 20/09/2025 - Equilíbrio

Todo verão, quando criança, eu dava tchau para os meus pais, pulava em uma bicicleta e desaparecia com amigos nas florestas e manguezais perto da minha casa. Raramente nos metíamos em (muitos) problemas. Uma vez quebrei o pulso ao cair de uma casa na árvore. Outra vez, começamos um pequeno incêndio em um campo próximo. Um vizinho, sabiamente, chamou os bombeiros, não convencido de que “tínhamos tudo sob controle”.

Essas experiências ancoram minhas memórias de infância —e meu senso de identidade. Se meus pais confiavam em mim o suficiente para eu sair sozinho, cometer erros e aprender com eles, eu podia acreditar que era alguém capaz de fazer isso. Uma vez que dominei meu “território familiar”, estava pronto para o mundo. Meu primeiro emprego depois da faculdade foi no Camboja.

Mas o território familiar [espaço físico e social] da maioria das crianças está diminuindo. Cunhado nos anos 1970, o conceito descreve até onde as crianças podem viajar, brincar e explorar por conta própria. Essa independência já foi medida em quilômetros. Hoje, frequentemente é em metros —isso se as crianças puderem sair de casa sozinhas.

Pesquisadores na Grã-Bretanha mapearam essa diminuição. Helen Woolley, arquiteta paisagista da Universidade de Sheffield, entrevistou três gerações da mesma família no verão de 2012. Os avós lembravam de viajar até três quilômetros de casa sem supervisão adulta nos anos 1950. Algumas décadas depois, o alcance sem supervisão dos pais diminuiu para cerca de 500 metros, principalmente para parques, playgrounds e casas de amigos. Na última geração, uma menina de seis anos e um menino de 10, não podiam ir a lugar algum sem permissão, nem mesmo à casa de um amigo ao lado.

Junto com a diminuição da distância de circulação, pesquisadores documentaram uma redução nos tipos de atividades e destinos que as crianças podem buscar por conta própria. E em muitas sociedades, a idade da independência tem aumentado cada vez mais.

Pesquisadores da Universidade de Westminster, em Londres, estudaram a mobilidade infantil em 16 países. Descobriram que uma grande proporção de crianças com menos de 11 anos não podia atravessar ruas principais, caminhar pela área local ou voltar da escola para casa em quase todos eles. Em vários países, mesmo adolescentes de 15 anos não tinham permissão para fazer essas coisas.

As crianças talvez nunca estiveram mais seguras. Mas a que custo? Limites à independência, argumenta Peter Gray, professor de pesquisa em psicologia e neurociência do Boston College, têm andado de mãos dadas com o aumento da ansiedade e depressão infantil. Sem tempo não estruturado para brincar ao ar livre e entre si, as crianças podem ter mais dificuldade para se desenvolverem como adultos confiantes. Também são mais propensas a crescer desconectadas do mundo natural e a sofrer danos à saúde mental e física por passarem menos tempo na natureza.

“Brincadeiras arriscadas são essenciais para o crescimento”, concorda Pooja Tandon, pediatra e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Infantil de Seattle. “As crianças precisam de alguma exposição para testar seus limites.” O objetivo deve ser manter as crianças tão seguras quanto necessário, não tão seguras quanto possível.

Por que o território familiar diminuiu? O mundo é realmente mais perigoso do que costumava ser? O perigo de estranhos paira na mente de alguns pais. Mas há pouca evidência empírica para apoiar isso. O risco de crianças serem sequestradas ou mortas por estranhos é extremamente pequeno, como tem sido por décadas. A criança média teria que brincar fora de casa sem supervisão por cerca de 750 mil anos, como Warwick Cairns aponta em “Como Viver Perigosamente”, antes de ser estatisticamente provável ser sequestrada por um estranho.

O trânsito tem uma reivindicação mais legítima sobre os medos dos pais. As estradas nos Estados Unidos tornaram-se mais perigosas à medida que os limites de velocidade aumentaram, o tamanho dos veículos cresceu e os motoristas se tornaram mais agressivos e distraídos. Em 2023, o Departamento de Transportes dos EUA relata que 249 crianças foram mortas enquanto caminhavam ou andavam de bicicleta.

Mas muitas crianças não têm permissão para andar nas calçadas ou brincar sozinhas em seus próprios quintais. A cultura mudou, argumenta Lenore Skenazy, defensora das crianças de criação livre, cuja coluna de 2008 “Por que deixei meu filho de 9 anos andar de metrô sozinho” provocou ataques ferozes. Os pais podem enfrentar condenação, e até acusações criminais, por permitir que as crianças saiam ao mundo por conta própria. Ideias em mudança sobre o que conta como independência razoável para crianças se traduziram em normas sociais, políticas e leis.

“Continuamos substituindo as experiências reais das crianças por duas coisas: excursões e acesso à internet”, diz Skenazy. “Como você deve se apaixonar pelo mundo? O que era interessante se transformou em preparação para o vestibular.”

Como dar mais liberdade às crianças sem comprometer a segurança

Em diferentes países, há iniciativas para estimular a independência infantil. Na Califórnia, pais organizam encontros semanais em parques para que as crianças brinquem com mínima supervisão, enquanto “clubes de brincadeiras” em igrejas, escolas e bibliotecas permitem que os pequenos criem suas próprias atividades.

Na Finlândia, pesquisas mostram que, aos 7 anos, a maioria das crianças já vai sozinha à escola; aos 8, atravessa ruas principais; e, aos 10, utiliza transporte público. No Japão, a tradição de enviar crianças de 2 a 5 anos para cumprir pequenas tarefas ganhou destaque no reality show “Old Enough!”.

Cidades também têm adotado políticas para favorecer famílias. Vancouver, no Canadá, revitalizou áreas centrais com moradias de múltiplos quartos, creches, bibliotecas, parques e rotas seguras de transporte. A estratégia ajudou a manter crianças em regiões urbanas, revertendo a migração para subúrbios.

“Se você projetar lugares que funcionem bem para crianças”, disseram os planejadores em Vancouver, “eles parecem funcionar bem para todos”.



Fonte ==> Uol

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