A oferta de futebol na TV nunca foi tão ampla quanto em 2025. Além do público, pelo menos um segmento está sorrindo de orelha a orelha: o dos narradores esportivos. O mercado nunca esteve tão aquecido para esses profissionais.
O problema é que os narradores, de uma maneira geral, estão gritando muito. Já percebo isso há anos, mas tenho a sensação de que a onda da gritaria está mais disseminada do que nunca. Se estou vendo as mesmas imagens que o narrador, por que ele precisa gritar?
Mesmo no rádio, diga-se, não é obrigatório gritar. Cito um entre muitos craques: Waldyr Amaral (1926-1997). Era uma espécie de narrador-cronista, descrevia uma partida como se estivesse escrevendo um texto –o autor do gol era um “indivíduo competente”.
Vejo muitos vídeos antigos de jogos de futebol na TV no Brasil, dos anos 1970 e 1980. Raríssimamente algum narrador gritava durante a transmissão.
O elegante Luiz Noriega (1930-2012) descrevia as partidas com emoção, mas sem alterar o tom de voz. Geraldo José de Almeida (1919-1976) se empolgava, mas com uma verve brilhante. Vários, como José Cunha (1940-2023) e Silvio Luiz (1934-2024), nem gritavam gol. “O cara tá vendo, ele tem olho!”, justificou Silvio.
Hoje é o contrário; raro é o narrador que não grita exageradamente, de forma gratuita. Acho que isso é sintoma de uma queda de qualidade. Fiz essa observação no Facebook, na semana passada, e três dezenas de colegas e amigos, a grande maioria no estrato “acima de 60 anos”, escreveu concordando comigo.
“Queda de qualidade é gentileza sua. Eu diria que é absoluta ausência”, registrou Gabriel Priolli, respeitado crítico de TV. “São histéricos”, protestou Antonio Carlos Seidl, meu colega de Redação na Folha no século passado. Ricardo Kotscho, mestre de todos nós, recomendou: “Acho que esse tema merece uma boa coluna de análise”. E aqui estou eu.
Em primeiro lugar, cabe esclarecer o que entendo por gritaria. Falo dos narradores que mantêm o espectador sob tensão durante toda a partida. Gritam quando o jogo começa. Gritam para festejar que o zagueiro afastou a bola pela lateral. Gritam quando o árbitro marca uma falta no meio de campo. Gritam até quando vai haver substituição. Quando o gol ocorre, então, só abaixando o volume da TV.
É desagradável e até estressante assistir a partidas narradas em tom de gritaria. André Henning, do TNT, é um dos grandes nomes nesse estilo de narrar. Ele tem seguidores em todos os canais. Em defesa da narração gritada, muitos argumentam com a carta da emoção. É preciso transmitir a emoção de uma partida, dizem.
Esse argumento distorce um ponto defendido por Galvão Bueno. Ele sempre se definiu como um “vendedor de emoções”, alguém que buscava manter o espectador conectado à TV mesmo diante da mais aborrecida das partidas. Mas Galvão não gritava por gritar. Dava palpites, provocava os comentaristas, irritava os espectadores, criava, enfim, um show durante a sua transmissão.
O mesmo vale para Luciano do Valle (1947-2014). No seu auge, ele deixava transparecer emoção ou surpresa em lances que descrevia; o grito era apenas o momento culminante da história.
É verdade que hoje o narrador tem o desafio de disputar a atenção do espectador com outros rivais, como as redes sociais. Um grito é capaz de fazer o cidadão tirar o olho do smartphone e olhar para a TV. Tudo bem, mas não contem comigo.
Quando é inevitável ver uma partida com um narrador que grita, prefiro deixar no mudo.
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Fonte ==> Folha SP