Eu poderia me estender por aqui, discorrendo sobre temas bem mais importantes para o mundo: as guerras, as mazelas, a busca pela paz. No entanto, hoje pretendo me alongar num detalhe ínfimo de nós mesmos, mas do tipo que igualmente se encomprida. Afinal, antes mesmo que esta leitura termine, sacumé: nossos narizes já terão espichado.
Ao contrário de Pinóquio, não vou mentir para vocês. Tanto que a prova concreta desse agigantamento gradual, pelo menos de minha parte, só obtive outro dia. Ao receber um suposto elogio. “Acho tão lindo gente que nem você, sabe? Que tem o nariz colado à boca.” Opa, peraí. Antigamente havia um espaço no meio, sim, destinado a depilações de buço e futuras rugas. Quer dizer que, ao longo dos anos, meu corpo tramou contra mim e agiu na surdina? Ora, ora. Tava na cara.
“Orelhas também crescem, tá?”. E nelas, novos pelos. Provavelmente os mesmos que batem em retirada nas entradas capilares da meia-idade masculina. “Peito cai, gengiva sobe!” Tudo isso eu já tinha ouvido, mas… Até tu, nariz? Não bastasse nos preocupar com o que acontece sorrateiramente “debaixo” de ti, agora nos ocuparemos inclusive do que acontece “em ti”.
Em busca de mais evidências dessa rebelião anatômica, recorri a álbuns e porta-retratos familiares, encontrando outras “bicancas” de entes queridos que evoluíram com o tempo. Tão idosas quanto este sinônimo de “napas” e “ventas” que se engrandecem desde a alvorada da primeira fuça humana. A bicanca original que, em Adão, gastou um bocadinho extra de barro.
Contudo, foi nas emboloradas prateleiras da minha biblioteca, quiçá num delírio rinítico, que encontrei uma explicação fantástica para tal fenômeno. Espremido entre as reinações da netinha de Dona Benta e uma edição de “Cyrano de Bergerac”, lá estava um volume favorito meu: “O Nariz” de Nikolai Gógol.
Petulante e arrebitado, num dia qualquer do século 19, ele não só abandonou o rosto de um major como surgiu dentro do pãozinho de um barbeiro –feito um ser humano completo, cheio de anseios e disposto a meter-se em aventuras.
Talvez nossos próprios narizes também sonhem em tomar, senão uma fresca diferente, decisões por conta própria. Evoluindo, ainda que sem sair do lugar. Dito isso, relaxei quanto aos anseios da minha bicanca em idade de crescimento, já que são as pequenas insurgências que tendem a nos impulsionar para a frente. Além do mais, há que se respeitar um órgão que aspire tanto à liberdade.
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Fonte ==> Uol



