Falei na Cidade do México, num encontro da Fundação Naumann, organização alemã essencialmente liberal. O grande Sergio Sarmiento, voz liberal no jornalismo mexicano, me entrevistou sobre a Era Trump. Ele e eu concordamos com o fato de que as políticas econômicas de Trump são ruins para o México e para os EUA. Ruins em todos os aspectos. Algumas delas, como se opor à vacinação contra o sarampo, são muito perigosas. Afinal, os espanhóis conquistaram o México porque os astecas morreram de sarampo. Parece que Trump quer que crianças morram de sarampo.
Outras políticas suas ignoram totalmente como funciona uma economia. As tarifas que ameaça usar nas importações do México destruiriam a indústria automobilística dos EUA, por exemplo. México, Canadá e EUA são uma só economia hoje. Seria como impor tarifas entre São Paulo e Porto Alegre. Ou impor tarifas “protetoras” em torno de sua própria casa.
Um homem se levantou para reclamar que Sergio e eu devemos “odiar Trump”. Essa frase é usada habitualmente por fãs de Trump para desmerecer quem acha que suas políticas são ruins para os EUA e o restante do mundo, incluindo o Brasil. A ideia é que você o “odeia” só porque ele é eticamente prejudicado, ou talvez apenas porque tem cabelo ruivo.
Eu respondi que de fato não gosto de Trump. É fácil não gostar dele. Ele traiu sua esposa grávida. Trata as mulheres com desprezo, gaba-se de fazer isso como um adolescente e foi condenado num processo civil por estupro. Ele trapaceia nos negócios. Ninguém na cidade de Nova York quer trabalhar com ele, porque não cumpre suas promessas. Por exemplo, não paga os eletricistas que trabalham em seus hotéis. Meu primo Phil, que é eletricista, o “odeia” por isso.
Trump zomba de pessoas com deficiência e de soldados “otários” que morreram na guerra. Ele mente sobre tudo, como o resultado da eleição de 2020. Se o dia estiver ensolarado, ele dirá que está chovendo. Em suma, é um homem mau.
Ele afirma ser cristão, mas adota um evangelho de ódio, não de amor. Se você não gosta de homens maus, deveria não gostar de Trump. Bem, como cristã, eu o perdoo. Ele deve ter sido criado com um evangelho de ódio. Mas Sergio e eu estávamos falando sobre seus atos públicos ruins, não sobre seu mau caráter. A alegação de que somos “haters de Trump” é para mudar de assunto.
O assunto é o que ele faz em público. Uma pessoa de mau caráter pode ser boa para a política. Nosso presidente Roosevelt foi “o homem mais frio” que o presidente Truman conheceu. Mas ele foi bom como líder na Segunda Guerra Mundial —embora ruim para a recuperação após a Grande Depressão.
Sergio e eu admitimos que, digamos, uma em cada dez políticas públicas de Trump é boa. A desregulamentação, por exemplo. Mas ele estraga a maioria delas ao fazê-las de forma ilegal, ou mesmo inconstitucional. Sergio e eu pensamos que encolher o governo seria bom, mas ele o estraga ao fazê-lo de forma inconstitucional.
Então vamos deixar claro. Trump, Bolsonaro, Lula podem ser homens bons ou maus em seu comportamento privado. Mas a evidência de seu comportamento público está principalmente no lado ruim.
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves
Fonte ==> Folha SP