Apoteose, catarse nationali, cremili, todo mundo vibrando nas redes sociais, Carnaval-previsto-em-ritmo-de-torcida, e com razão: hoje foi finalmente anunciado que o ubíquo “Ainda estou aqui” estará também no Oscar, essa festa hollywoodiana máxima do oh-my-god que fancy e que quinta-essência somos.
O Brasil concorre em 3 categorias, e a diva porta-voz fetiche deusa do momento que-todo-mundo-quer, todo-mundo-ama a gente já sabe quem é, e melhor quase que nem dava pra inventar: Nanda. Nandinha. Nandão. Grande, grandiosa. Mais do que atriz, terrena. Genuína. Vivemos o assombro com ela, nos divertimos com ela e sua história do Globo de Ouro barrado no aeroporto, Fernanda Towers, Fernandinha: mais que amiga, nossa friend.
Esta manhã, em longa entrevista à Globo News logo depois da divulgação da notícia, a diva (que nem quis assistir ao anúncio dos indicados pela tevê, nos privando de memes virais com sua reação à nominação), disse 134081789 cousas sensatas, conscientes, transcendentes e importantes que me emocionaram, mas talvez o que mais tenha me balançado foi:
— Acima de todos nós, quem merece tudo isso é uma mulher chamada Eunice Paiva.
A heroína “madura”
Nem sexy, nem mogul de Wall Street, sequer uma mulher “madura” redescobrindo o amor em Honolulu: Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva (São Paulo, 7/11/29 – 13/12/18), protagonista de “Ainda estou aqui”, é real e tangível e, portanto, complexa. Não se encaixa em final edulcorado e estereótipos, não precisa deles porque existe e existiu, plena, a despeito de uma realidade que calava e encurralava; e assim a pressentimos, grandiosa, transcendendo os contornos das 2 horas de filme, do roteiro e da obra original de Marcelo, o filho. Eunice grande, inabarcável, Eunice-de-verdade.
Eunice, que cresceu no bairro italiano do Brás, em São Paulo, e passou no vestibular do Mackenzie em primeiro lugar aos 18 anos pra cursar Letras, a despeito dos protestos dos pais;
Eunice, que, apenas dois anos depois do assassinato do marido pela ditadura militar, em 1973, entrou na faculdade de Direito, formando-se aos 47 anos de idade;
Eunice, que não só buscou justiça histórica como se tornou uma grande ativista e pioneira em políticas de reivindicação dos direitos indígenas;
Eunice, uma das principais forças catalisadoras por trás da promulgação da Lei 9.140/95, de 1995, que finalmente reconheceu os mortos pela ditadura; Eunice, que, após 25 anos de luta, finalmente obteve a emissão do certificado de óbito de seu marido, em 1996; Eunice, que ainda passaria mais de uma década convivendo com o Alzheimer antes de falecer, aos 86 anos, em 2018. Grande, grandiosa. Uma vida.
E, finalmente, Eunice, essa mãe e heroína caleidoscópica, de fragmentos rebrilhados pelos olhos do filho, do diretor Walter Salles, dos roteiristas Heitor Lorega e Murilo Hauser, da diva Fernanda, também tão mulher-real, e, agora, nós.
Um brinde às mil existências da outra diva, a quarta indicada.
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Fonte ==> Folha SP