Em um ginásio bem iluminado no leste da Áustria, duas enfermeiras de jaleco branco observavam cinco homens pedalando lentamente em bicicletas ergométricas. Uma das enfermeiras verificava a pressão arterial dos homens, enquanto a outra sentava-se atrás de uma série de monitores, acompanhando a frequência cardíaca. “Enjoy the Silence”, música da banda Depeche Mode, tocava suavemente em um alto-falante.
Era uma cena típica no centro de reabilitação cardiovascular de Bad Tatzmannsdorf, cerca de uma ou duas horas de Viena, em Burgenland, uma província montanhosa conhecida por seus vinhos.
Todos os pacientes estavam lá devido a problemas cardíacos de gravidade variada, desde arritmias até ataques cardíacos, e o propósito de suas estadias era convalescer, formar hábitos melhores e partir como versões mais saudáveis e relaxadas de si mesmos.
As visitas duram várias semanas, e o custo médio é de cerca de 5.000 euros (aproximadamente R$ 32 mil). Mas muitos dos pacientes pagam apenas uma pequena fração do valor.
Oito anos atrás, um desses pacientes era meu pai. Após sofrer um infarto, ele passou três semanas lá por recomendação médica. Sua agenda era preenchida com caminhadas nórdicas à tarde e sessões de sauna. Ele até aprendeu a fazer um tiramisù com baixo teor de gordura.
A reabilitação é uma das várias instalações desse tipo em toda a Áustria, cujas estadias são amplamente cobertas pelo governo através de seu programa de seguridade social. Além de centros para condições cardíacas, existem aqueles dedicados a câncer, diabetes e obesidade, bem como saúde pulmonar, doenças neurológicas e problemas articulares.
Pessoas que contribuem para o sistema de previdência social podem ficar em uma dessas instalações se um médico considerar clinicamente necessário. No centro de Bad Tatzmannsdorf, pacientes cobertos devem pagar apenas uma pequena taxa diária entre 10 e 25 euros, dependendo da renda, embora aqueles que não se qualificam ou não são segurados possam visitar se pagarem o custo total.
A crença do governo é que o programa pode ajudar a manter as pessoas na força de trabalho. Ele também segue a tradição europeia de sanatórios, ou instalações de saúde especializadas em cuidados de longo prazo e recuperação, enquanto incorpora toques da cultura de spa e bem-estar aqui e ali.
Dentro do centro de Bad Tatzmannsdorf neste verão, a cena era tranquila: longos corredores brancos, quartos idênticos, dias organizados. Os pacientes caminhavam pelos corredores sem pressa. Alguns iam para a hidroginástica, outros para a arteterapia.
Eles experimentavam calistenia, levantavam pesos, pedalavam ao ar livre e mergulhavam na piscina de hidromassagem. Se preferissem, também poderiam simplesmente afundar-se em uma espreguiçadeira ergonômica e contemplar uma fotografia de uma praia arenosa —tudo isso é considerado parte do tratamento.
Embora a participação seja opcional, nem todos chegam eufóricos. “Às vezes, eles são forçados a vir por suas famílias preocupadas”, diz Martha Grimm, 53, uma das enfermeiras que observava os pacientes pedalando.
Baixando a voz para não perturbá-los, ela continua: “Quando chegam aqui, geralmente estão com muito pouca energia e muito deprimidos, e você pode observar a cada passo que dão — como melhoram e ficam mais felizes”.
Uma reabilitação, não um spa
O centro de Bad Tatzmannsdorf situa-se entre uma densa mata, com caminhos de inclinação suave para caminhadas leves mas revigorantes.
As instalações são muitas vezes propositalmente construídas em ambientes rurais tranquilos, propícios à recuperação. O centro de reabilitação pulmonar e cardiovascular Hochegg, por exemplo, está situado em Grimmenstein, uma cidade no distrito montanhoso de Neunkirchen. (Para áreas escolhidas por estâncias de saúde por sua boa qualidade do ar, existe até um termo em alemão, “Luftkurort”, que se traduz como “spa de ar”.)
Apesar dos cenários pitorescos, uma estadia no centro de Bad Tatzmannsdorf não é férias e exige o cumprimento de regras estritas.
“Eles nos disseram: Isto é uma reabilitação, não um spa”, diz Walter Fischer, 68, um ex-paciente que meu pai fez amizade no centro.
Mais de 3.000 pacientes passaram pelo centro no ano passado —em sua maioria, homens. Na chegada, eles passam por uma avaliação médica, incluindo um ecocardiograma. Seus dias são então agendados das 7h às 17h, e a falta a uma aula, ou o descumprimento do toque de recolher às 22h, pode levar à dispensa.
A equipe monitora os pacientes 24 horas por dia. Graças a sensores de movimento e pulseiras eletrônicas, eles sabem onde os pacientes estão e se estão se movendo e respirando. Se um paciente estiver 15 minutos atrasado para uma refeição, os funcionários verificam sua situação. Para meu pai, a experiência foi como “um cruzamento entre estar em um internato e ser um cavalo de corrida campeão”, ele disse.
“Exagerado, talvez”, acrescentou. “Mas é muito eficaz.”
Aprendendo a relaxar
Para alguns pacientes, pode ser difícil ajustar-se ao ritmo lento, disse Jeanette Strametz-Juranek, diretora e cardiologista chefe de Bad Tatzmannsdorf. “Em nossa sociedade, as pessoas são recompensadas por trabalhar sob imensa pressão.”
Numerosos estudos sugerem que altos níveis de estresse podem afetar adversamente o coração. Por isso, Strametz-Juranek disse que ela e outros no centro passaram a acreditar que era crítico para os pacientes de cardiologia afastarem-se da vida comum e “ter, possivelmente pela primeira vez em suas vidas, tempo para si mesmos”.
Os pacientes podem conversar com um psicólogo ou experimentar o treinamento autógeno, uma técnica de relaxamento que remonta à Alemanha dos anos 1930 e usa exercícios mentais para criar sentimentos de peso e calor.
Há também uma sala de música, completa com um instrumento de madeira chamado Klangliege que tem formato de uma espécie de cama, na qual o paciente repousa enquanto as cordas são tocadas sob ela, enviando vibrações pelo corpo.
No dia da minha visita, Elina Gleich, uma das terapeutas, tocou um sino tibetano, uma ferramenta meditativa usada para redução do estresse. “Não é apenas o som, mas a vibração” que relaxa o corpo, ela disse. Na parede, havia meia dúzia de pinturas abstratas feitas pelos pacientes, incluindo uma aquarela de um pôr do sol e uma massa de manchas em cores do arco-íris.
“Se eles odeiam pintar, é claro que não precisam pintar, mas são encorajados a experimentar coisas novas”, disse Gleich.
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Uma filosofia diferente
Bad Tatzmannsdorf pode acomodar 175 pacientes por vez, a maioria com banheiro privativo e varanda. E para os pacientes mais doentes, como aqueles com cicatrizes de ponte de safena no peito, há uma ala com 21 leitos.
Pode às vezes parecer um pouco com um hospital, mas a filosofia aqui é bastante distinta. “As internações hospitalares são frequentemente muito curtas, com pouco ou nenhum tratamento posterior”, disse Strametz-Juranek. “Então, na cabeça das pessoas, elas pensam: ‘OK, acabei de receber um carimbo dizendo que está tudo bem. Estou liberado’.”
O centro adota uma abordagem de longo prazo, incluindo a ênfase na educação. Em uma sala, montada não muito diferente de uma sala de aula, os pacientes aprendem a gerenciar seus níveis de insulina.
Meu pai ainda lembra com carinho de sua passagem por Bad Tatzmannsdorf. Havia um senso de camaradagem entre aquelas pessoas que ele nunca teria conhecido de outra forma, disse ele, em um ambiente que está removido de sua vida cotidiana.
Ao retornar ao trabalho, muitos de seus colegas comentaram sobre seu brilho saudável, disse ele. Eles também comentaram, brincando, que gostariam de ter ido também.
Este artigo originalmente apareceu no The New York Times.
Fonte ==> Uol