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O que buracos negros e constrangimentos têm em comum – 09/08/2025 – Antonio Prata

O que buracos negros e constrangimentos têm em comum - 09/08/2025 - Antonio Prata

Dentre os inúmeros assuntos que ignoro —a lista é vasta, minha ignorância é eruditíssima —um dos que mais me fascinam são os buracos negros. “Ignoro” talvez não seja o termo correto. Sei que existem, leio a respeito, vejo documentários, ouço podcasts, mas a luz do conhecimento é sugada antes de chegar à minha compreensão, como qualquer matéria que se aproxime do famigerado “horizonte de eventos”, aquele barranco cósmico para o qual tudo entra pelo cano, em torno dos buracos negros.

Leio. Vejo. Ouço. Não entendo picas. Entendo um buraco numa parede. Um furo na minha blusa. Tenho em casa uma furadeira e algumas traças para me relembrar como são feitos. Mas como pode haver um buraco no nada? Lembro das aulas de astronomia do grande professor Valmir, no colegial. O exemplo que ele dava era de uma bola de sinuca sobre um colchão, vergando o “espaço-tempo”. Putz, falou em “espaço-tempo” eu já tô pastando. Que cazzo é espaço tempo? Entendo um e outro separados, não os dois juntos. Espaço-tempo seria, digamos, uma papelaria depois de amanhã? Um pet-shop antes de ontem? O lavabo da minha casa no dia 23 de agosto de 2076? Não entendo, realmente, não entendo.

Semana passada ouvi um episódio de um dos meus podcasts favoritos, Radiolab. Era sobre uma astrônoma da Nasa que, com o supertelescópio James Webb, está estudando como as galáxias morrem. Num determinado momento, ela mencionou algo que eu já sabia (mas nem por isso posso dizer que entendo): o buraco negro nasce do colapso de uma grande estrela. É uma implosão em que um mega corpo celeste vira do avesso. Não sei se vocês viram “Game of Thrones”. Recomendo. Quem é assassinado pelo exército dos mortos vira zumbi. Passa a trabalhar para a morte. O que até então iluminava passa a engolir tudo, até a luz —por isso o nome, buraco negro.

Neste ponto do podcast, vislumbrei um fenômeno humano muito parecido com o surgimento de um buraco negro. A vergonha. A infâmia. Imagina você em cima de um palco. Ou no meio de uma festa. Tá brilhando ali, com a modesta ou imodesta luz que a vida te deu. Aí, rapaz, você faz xixi na calça. Ou espirra e sai meleca do nariz. Ou fala uma besteira daquelas que vai te cancelar pra sempre. Então você colapsa. O que emanava luz agora puxa tudo. Você vira o buraco negro. Suga todas as atenções no “horizonte de eventos”. Você é o ralo no qual todos os olhares submergem.

Você vira um buraco no nada. Um aspirador de pó no éter. A sua vida é o colchão, a besteira que você fez é a bola de sinuca. Continuo não entendendo, tá? Estamos falando tudo em termos bem abstratos. Pois bem, seguindo em termos abstratos, há uma hipótese de que um buraco negro seja um túnel. Um buraco de minhoca. Você entra por um lado e sai por outro. Mais ainda: se for essa “curva” no “espaço-tempo”, pode ser que você entre num buraco negro hoje e saia no meu lavabo no dia 23 de agosto de 2076.

O que talvez seja um alívio, porque segundo a astrônoma da Nasa, no Radiolab, toda galáxia gira em torno de um buraco negro, até ser engolida por ele. Se esse é o nosso destino, prometo deixar bonitinho meu lavado, no espaço-tempo que for.


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Fonte ==> Uol

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