22 de janeiro de 2025

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O que diria George Orwell sobre a posse de Trump? – 21/01/2025 – Rui Tavares

O que diria George Orwell sobre a posse de Trump? - 21/01/2025 - Rui Tavares

Comemora-se por estes dias os 75 anos da morte do escritor George Orwell.

Nascido Eric Arthur Blair na “camada mais baixa da classe alta inglesa”, funcionário da polícia colonial na Birmânia enquanto jovem, lavador de pratos em Paris e vagabundo em Londres, aliado dos anarquistas na Guerra Civil da Espanha, romancista de sucesso moderado em vida, morrendo de doença pulmonar aos 46 anos de idade, só nestas sete décadas e meia Orwell nunca cessou de se tornar cada vez mais celebrado.

E manipulado, também. Há tempos encontrei num aeroporto brasileiro uma daquelas cartilhas direitistas sobre “autores da liberdade”, quase todos neoliberais ou anarcocapitalistas, com exceção de Orwell, que aparecia descrito apenas como um socialista esporádico que se tornou crítico do socialismo. Nada mais errado.

O próprio Orwell declarou em seu ensaio “Porque Escrevo”, publicado em 1946: “Cada linha de trabalho sério que escrevi desde 1936 foi escrita, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático, tal como o entendo”.

Se Orwell era ele próprio socialista, o totalitarismo que ele denunciava era o da perversão stalinista do socialismo. Aqueles que hoje tentam cooptar —infelizmente, com algum êxito— Orwell contra a esquerda, poderiam no máximo acusá-lo de teimosia, mas não de incoerência. Para ele o socialismo era a possibilidade de os trabalhadores usufruírem de uma vida decente e livre, sem serem esmagados pelo monopólio de poder, seja ele econômico ou político, seja ele capitalista, fascista, ou comunista.

Depois de ter exposto a miséria no capitalismo em livros como “Na Pior em Paris e em Londres”, de ter pegado em armas contra o fascismo na Guerra Civil da Espanha e de ter denunciado a traição stalinista contra republicanos, anarquistas, socialistas e outros comunistas e democratas em “Homenagem à Catalunha” (o seu melhor livro desconhecido), Orwell emergiu da Segunda Guerra Mundial sentindo uma urgência total de condenar o totalitarismo soviético.

Não porque o achasse mais (ou menos) perigoso do que o totalitarismo nazifascista, que combateu com risco da própria vida sendo ferido na frente de batalha, mas porque agora o fascismo estava derrotado, e a emergência era o combate antistalinista. Foi sempre em defesa consciente e informada da esquerda e do socialismo, e jamais contra a esquerda e o socialismo, que fez as denúncias de “1984” e “A Revolução dos Bichos”.

Fê-lo, porque era a missão mais necessária naquele momento. “Ter uma coisa para dizer, e dizê-la” era o segredo da sua escrita. É por isso pouco plausível que hoje ele perdesse tempo com o que já foi derrotado.

O totalitarismo que Orwell denunciaria hoje não seria o do agora irrelevante stalinismo, mas antes o da oligarquia fascizante que quer dominar o mundo. “Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota pisando em um rosto humano —para sempre”, dizia ele. Hoje diria algo como: se querem uma imagem do futuro, pensem num gigantesco polegar esfregando na nossa cara o ódio de cada dia —para sempre.



Fonte ==> Folha SP

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