Em uma reunião de gabinete no início desta semana, o presidente Donald Trump repetiu um alerta já familiar: gestantes devem evitar Tylenol e abster-se de dá-lo a bebês. Mas foi a resposta de Robert F. Kennedy Jr. que desencadeou uma onda de especulações online.
“Existem dois estudos que mostram que crianças que são circuncidadas precocemente têm o dobro da taxa de autismo. E é altamente provável que seja porque recebem Tylenol”, disse Kennedy.
Kennedy inseriu uma nota de incerteza em seus comentários, afirmando que “nada disso é positivo, mas tudo isso são coisas às quais deveríamos estar prestando atenção”. Alguns pais expressaram preocupação nas redes sociais, levando médicos e cientistas a intervir para tentar conter a disseminação de medos infundados.
Veja o que diz a ciência
De onde vem essa ideia de uma ligação?
Houve dois estudos sobre essa ideia que receberam bastante atenção (e críticas) após serem publicados há cerca de uma década.
O primeiro, publicado em 2013 na Environmental Health, alegou uma forte correlação entre a prevalência de autismo em homens em oito países e as taxas de circuncisão. Os autores disseram que o objetivo do estudo era analisar a exposição de recém-nascidos ao paracetamol (outro nome para acetaminofeno, o ingrediente ativo do Tylenol), que eles afirmaram ser amplamente prescrito desde meados da década de 1990 para circuncisão masculina.
Uma das autoras do artigo, Ann Bauer, também co-escreveu uma análise de 2025 que relacionou o uso de Tylenol durante a gravidez a um risco aumentado de autismo em crianças —um artigo que autoridades da administração Trump citaram ao emitir um alerta relacionado no mês passado. Bauer não respondeu a um pedido de comentário.
Helen Tager-Flusberg, professora emérita da Universidade de Boston, chama o estudo de 2013 de “bastante deplorável”. Ela questiona a metodologia, dizendo que não considerou variáveis-chave relacionadas ao diagnóstico de autismo, como a idade média dos pais que têm filhos ou o aumento da conscientização sobre o autismo levando a mais diagnósticos.
Tager-Flusberg afirma que o estudo não tinha dados suficientes para estabelecer uma correlação com o autismo, muito menos uma relação causal. E questiona a premissa básica da pesquisa em primeiro lugar.
“Os bebês recebem Tylenol por muitas, muitas razões. Por que você escolheria a circuncisão? Não faz muito sentido”, diz Tager-Flusberg, fundadora da Coalizão de Cientistas do Autismo, que defende pesquisas de alta qualidade sobre autismo.
Um segundo estudo revisado por pares baseado em dados do sistema nacional de saúde dinamarquês foi publicado em 2015 no Journal of the Royal Society of Medicine, uma publicação britânica. Ele alegou que meninos circuncidados tinham um aumento de 46 a 62 por cento no risco de transtorno do espectro autista nos primeiros 10 anos de vida em comparação com meninos não circuncidados. A explicação deles para a possível ligação focou mais na dor.
Cuide-se
Ciência, hábitos e prevenção numa newsletter para a sua saúde e bem-estar
“Embora nenhuma conclusão firme deva ser tirada neste momento, várias linhas de evidência são compatíveis com um possível papel causal do trauma da circuncisão em alguns casos”, escreveram os autores.
Esse estudo chamou de questionável a suposição do artigo anterior de que meninos submetidos à circuncisão sempre recebem paracetamol como medicamento para dor, mas disse que não tinham dados para abordar a hipótese.
Pouco depois de ser publicado, o estudo dinamarquês recebeu uma refutação contundente de outros cientistas, chamando-o de “falho”.
“Uma vez que o estudo dinamarquês era sobre dor, por que [os autores] não examinaram outras condições dolorosas?”, escreveram os autores da refutação no Journal of the Royal Society of Medicine. O artigo de refutação mencionou infecções do trato urinário como exemplo, e também criticou o estudo dinamarquês por não considerar se a anestesia geral, em vez da dor, poderia ter contribuído.
Em uma postagem no X (antigo Twitter) na sexta-feira (10), Kennedy mencionou um pré-print —um estudo que é publicado antes da revisão por pares— que ele disse “valida diretamente meu ponto de que a correlação de autismo observada em meninos circuncidados é melhor explicada pela exposição ao acetaminofeno, não pela própria circuncisão”.
Qual é a conclusão para os pais?
Komal Kumar, obstetra e ginecologista no Estado de Washington e membro do Physicians for Reproductive Health que realiza circuncisões, diz que a ideia de que o Tylenol poderia ser um fator contribuinte para o desenvolvimento do autismo “não se baseia em evidências médicas válidas”.
Ela diz que afirmações de que o procedimento causa trauma não são precisas, e os pacientes têm uma ampla gama de experiências em relação ao nível de dor.
“Eu advertiria os americanos contra presumir que correlação equivale a causalidade”, afirma Kumar.
Como exemplo, Kumar explica por e-mail que muitos americanos bebem café e a taxa de câncer no país vem aumentando, mas isso não significa que o café cause a doença. Ela recomenda que os pais tirem suas dúvidas diretamente com seus médicos.
Vários hospitais infantis, em suas páginas informativas sobre cuidados com um bebê após circuncisões, dizem que os pais podem dar acetaminofeno aos filhos para dor, mas aconselham consultar um médico.
O acetaminofeno geralmente não é recomendado para crianças menores de 12 meses, exceto para tratar febre e apenas sob orientação médica. A maioria das circuncisões ocorre antes dessa idade. A Academia Americana de Pediatria sugere que as famílias leiam a página do Jama Pediatrics “O que os pais devem entender sobre a circuncisão masculina infantil” para mais contexto.
Colaborou Caitlin Gilbert
Fonte ==> Uol